sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Raiva

Assim. Curta. Grossa. Ríspida. Dura. Dissíliba, cinco letras e, só pra variar, de um impacto imenso na pessoa que se atreve a senti-la.
Mas como a raiva vem até nós?
Não sei. Na verdade, às vezes não faço ideia. Mas acontece, de vez em quando, de estacionarmos o nosso carro onde quer que seja e, quando voltamos, tem um maldito amassado na nossa porta. Calma... Tem um o quê? Amassado na porta? Não, antes disso... Tem um MALDITO amassado na porta. Hmmm...
Aí você chega em casa já meio fulo da vida - ou mesmo que não chegue nem meio fulo da vida - , deixa as suas coisas onde elas têm que ficar e dá uma bela topada com o mindinho do pé no pé do sofá. Primeira coisa que vem à cabeça? Não sejamos hipócritas! A maioria das topadas com o pé no pé do sofá vêm seguidas de um sonoro "puta que pariu". Mas dito assim: PUTA QUE PARIU! Heim?! Como? De onde veio esse palavrão?
Tá. Já vimos que alguma coisa nossa que, por algum motivo, aparece estragada e dor às vezes levam-nos a ter raiva. Mas tem aquela velha pergunta que, volta e meia, rola solta pelo Answerless: e quando é com pessoas?
Alguns de nós já tivemos a infelicidade de ganhar um chapéu de boi. Até aí, digamos que não haja problema - mas há. O fato é que a coisa pega na gente de verdade quando descobrimos. E aí, meu querido e minha querida, sobe aquele vapor de alguma coisa à cabeça e não tem santo que consiga te fazer parar de dizer impropérios sobre aquele infeliz que te condecorou com o chapéu de boi. Ou tem? Não. Não tem.
Não só acontece assim, como também acontece quando damos um voto de confiança a uma pessoa e ela faz exatamente o oposto do que deveria com o seu voto de confiança. Tipo assim... Você cede a sua casa, o seu espaço, abre mão da sua individualidade e privacidade em vários aspectos e, de repente, a pessoa que você acolheu vai embora sem nem deixar rastro. Ahn? Você fica com o quê?
E claro que eu não podia deixar de mencionar aquele Zé-Ruela que vai ao seu blog e publica comentários ridículos em anonimato. A primeira coisa que vem é o incômodo de ler aquele impropério no seu blog. A segunda que vem é a pulga que coça atrás da orelha porque você não consegue saber quem é o infeliz que teve a covarde audácia de te ofender - ou algo assim - sem se identificar. Vai... É o fim da picada, né?
Juta todas essas coisas num só dia ou momento e pronto! Você avermelha, fumaça, espuma e faz mais um bocado de coisas que a gente só faz quando tem o quê? É... Aquela coisa feia que faz a gente falar palavrões e ter vontade de encher um e outro de porrada até a tampa.
É humano, né?

Burocracia

Caríssimos leitores,
Muitos de nós cremos - ou sabemos - que cada um de nós tem uma missão nessa vida e/ou mundo, e é em função disso este pequeno comunicado.
Ando percebendo que existem certas criaturas - a quem podemos referir-nos como nécios, apedeutas, baguais, biltres, sacripantas, mentecaptos, cretinos ou infelizes filhos de uma puta - cuja miserável existência tem como objetivo nada além de levar sua própria miséria a outras pessoas, incomodando-as pouco a pouco até que percam a paciência, a sanidade mental ou qualquer outra faculdade ou atributo humano que nos torne pessoas dignas e civilizadas.
Em decorrência de tal constatação, gostaria apenas de avisá-los que comentários passarão por um filtro antes de virem ao blog. Comentários anônimos continuaram sendo permitidos. A diferença é que agora não é qualquer nécio, apedeuta, bagual, biltre, sacripanta, mentecapto, cretino ou infeliz filho de uma puta que pode ter seu comentário aqui.
Aos leitores que não se enquadram no perfil descrito acima, não vai fazer diferença. Sintam-se à vontade pra ler e comentar quando quiserem.
Beijos e abraços!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Despedida

Eis aí uma palavra com um perfil um pouco incomum aqui no blog. Essa não é tão curta, são quatro sílabas, nove letras e... Vamos dizer assim: não é fácil. Nem um pouco. É claro que, só pra variar, estamos tomando por referencial um canceriano que, como eu, tem dificuldade com desapego e afins. Mas, no geral, não costuma mesmo ser uma palavra fácil de se usar ou um assunto fácil de se discutir.
Como um bom exemplo de canceriano, confesso que sou uma pessoa um pouco avessa a grandes mudanças, especialmente porque mudar normalmente implica despedida. Às vezes a gente se despede de alguma coisa, ou de uma pessoa, ou de algum objeto pessoal e assim vai. Muitas vezes pode ser difícil fazer algo que parece tão simples quanto virar a palma da mão pra frente e balançar a mão para os lados.
Semana passada, precisamente, fiz uma grandessíssima mudança na minha rotina. Hoje mesmo começo a ter aulas num cursinho preparatório pra concursos públicos - pois é, lá vou eu também. Mas semana passada eu era, há mais de um ano, professor de um cursinho pré-vestibular. Estava tudo em seu devido lugar: horas e horas de aulas e monitoria durante a semana com um final de semana restaurador pra eu começar tudo de novo na outra segunda-feira, folhas de ponto pra preencher, matérias pra ensinar a um monte de alunos e coordenadores a quem prestar contas de vez em quando.
E onde entra a despedida? Em função da nova rotina e da impossibilidade de conciliar todas as atividades, tive de sair do cursinho onde trabalhava. Assim, de repente. Sexta-feira eu estava cumprindo as minhas horas e ensinando os meus conteúdos e segunda-feira eu não tinha mais horas pra cumprir ou conteúdos pra ensinar. Muitos devem pensar que é uma beleza não ter que trabalhar, não ter contas a prestar nem satisfações a dar. Mas e aquela coisa toda da satisfação profissional e outras coisas que isso envolve?
Deixei de fazer aquilo que mais gosto de fazer como profissional de um dia pro outro. Deixei de conviver com os meus colegas de trabalho, de frequentar um ambiente que ocupava boa parte das minhas horas, de interagir de várias formas com mais de trezentos alunos e assim vai. O mais difícil nisso tudo, na minha opinião, nem foi quebrar drástica e totalmente a minha rotina, mas a relação com as pessoas.
De novo como um bom canceriano, torno a confessar que tenho certa dificuldade em me desfazer de certas coisas. E ver que muitos dos meus alunos - e quando digo "muitos" quero dizer "muito mais do que eu esperava" - ficaram insatisfeitos e até inconformados com a minha saída me partiu o coração. Na minha cabeça - e modéstia à parte - , eu era apenas "um bom profissional cumprindo o seu trabalho", chegando na hora, indo ao trabalho todos os dias e fazendo bem o que tinha que ser feito.
Existem vários fatores que contribuíram pra minha tomada de decisão e atitude tão de repente. Claro que nenhum de nós, em sã consciência, faria algo assim por nada. É sempre pelo nosso bem. Mas aquele monte de adolescentes fazendo caras de insatisfação e inconformidade me comoveu. E me fez pensar que despedida nunca é fácil.

De volta (ou quase isso)

Caríssimas leitoras e caríssimos leitores! Bem-vindos de volta e bem-vindos sempre!
Eis que o Answerless está voltando às suas atividades - ou tentando - depois de muito, muito tempo de ferrugem e estática. Além de não ter tido muito tempo para vir aqui publicar alguma coisa de vez em quando, confesso que andei - ou tenho andado - meio sem criatividade - ou assunto - para fazer novas publicações aqui.
Mas o tempo passa e os tempos mudam. E tudo isso faz com que outras coisas apareçam nas nossas cabeças e que respiremos novos ares. Agora chega de conversa fiada e vamos ao que interessa! =D

segunda-feira, 15 de março de 2010

Sonhar e Sorrir Vol. 10

Eu matei uma assassina - Parte 8
- Você não ficou com medo de ter sido traído?
- Olha... Quando você disse que tinha levado "o cara que sabe demais" eu achei que pudesse ser encrenca. Mas, de todo jeito, eu estaria ganhando tempo.
- É mesmo?
- O cara precisava digerir a informação e castigar a assassina de aluguel incompetente, né? - Eu falei e comecei a rir.
- E se ele não o fizesse.
- Ele faria, com certeza. É o cabeça do grupo. Ele ia querer dar o exemplo a outros capangas.
- Que coisa, Dé. Eu não teria imaginado nunca que ele era o seu amigo.
- Nem eu. Por isso fiquei tão surpreso. O que eu soube é que ele tinha sido morto por alguém da GREVE. Foi absolutamente decepcionante descobrir que ele próprio era o chefe.
- Deu pra ver na sua cara.
- Bom... Agora já acabou. A polícia está cuidando dele. Por falar nisso, não tem risco de virem atrás de você?
- Não. Ele não sabe nada sobre mim. A pistola está limpa, as maçanetas e as torneiras também... No máximo, podem ir ao colégio te perguntar.
- Mas eu não sei de nada! - Eu disse levantando as mãos e olhando para cima. Os dois rimos com a cena.
Estávamos a caminho do meu apartamento. Agora parecia que tudo estava no lugar; Bruno iria para a cadeia, Isabela estava fora de perigo e eu tinha feito o que queria ter feito. Destranquei a porta do apartamento, entramos, fechei a porta e acomodamo-nos. Sem nem perguntar se ela queria, servi dois cálices de vinho, que tomamos largados no sofá da sala.
- Você falou em pistola limpa agora há pouco. - Comecei. - Por que deixou a sua pistola lá?
- Eu não quero mais ver aquela pistola de jeito nenhum.
- Nossa! Por quê?
- Porque foi ele quem me deu aquela pistola. E justamente pra fazer esse tipo de coisa. Foi ótimo atirar nele com ela, mas um tiro já está mais que bom.
- Entendo. E por que não atirou com a minha?
- Eu não queria correr o risco de descobrirem que a bala saiu da sua arma. Não quero encrenca pra você.
- Ah, Bela... Você é...
- Um amor? - Ela perguntou rindo.
- Uma menina. É esperta demais, mas é uma menina.
- Ei! Essa fala é minha!
- Eu sei! Por isso eu disse! - Os dois rimos alto e fomos para o meu quarto com os cálices de vinho. Estiramo-nos na cama e continuamos bebericando devagar.
- Então... Tráfico interrompido, bandido na cadeia... Caso encerrado, né?
- Graças a Deus! Gostei de pegar um bandido, mas ainda acho que gosto mais da sala de aula.
- É mais seguro, né?
- Com certeza. - Suspirei. - Eca... Bandido, tráfico de armas, ameaças... Três das piores coisas do mundo.
- É? E o que seriam três das melhores?
Olhei fundo nos olhos dela, tomei o cálice dela, bebi um gole, coloquei-o no chão e, enquanto respondia, abracei-a e puxei-a para cima de mim.
- Vinho antes e sucrilhos depois...
- Uau!
Depois de duas longas e deliciosas horas ela respirou fundo e perguntou:
- Agora eu posso ir para casa, né?
- É... Pode... Ele não vai mais te atormentar.
- Que maravilha! Adorei ficar aqui com você, mas poder voltar pra casa é sempre um alívio.
- É, não é?
Ela me deu um beijo longo, levantou-se e vestiu-se sem pressa. Vesti apenas um jeans e segui-a até a sala. Ela pegou a bolsa e foi para a porta, que eu abri para ela.
- Eu vou poder te ver de novo? - Ela perguntou.
- Sempre que quiser. - Respondi sorrindo.
- Ah! Que bom.
- Já tem meu telefone, meu endereço... Vai ser fácil.
- E o que você vai fazer amanhã?
- Bom... Amanhã é feriado. Não planejei nada. Acordar tarde, ficar à toa... E você? O que vai fazer amanhã?
- Ah... Eu... Acho que também vou acordar tarde e ficar à toa... Afinal, amanhã é feriado... - Ela me abraçou e beijou longamente enquanto fechava a porta com o pé.

terça-feira, 9 de março de 2010

Sonhar e Sorrir Vol. 9


Aviso: esta publicação é imprópria para menores de 16 anos, contendo cena de sexo, violência e palavras de baixo calão. Se você tem menos de 16 anos ou não gosta do que pode haver aqui, acho melhor sair do blog por agora. Se você tem, pelo menos 16 anos, e quer mesmo saber do que se trata, divirta-se! =P
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Eu matei uma assassina - Parte 7

- A que horas você pretende ir visitar o nosso amigo, Dé?
- Umas seis, seis e pouco.
- Algum motivo especial?
- Na verdade, não. Quero esperar até perto de anoitecer, mas não quero que seja muito tarde. Preciso trabalhar amanhã de manhã.
- Ué... Vai trabalhar no feriado?
- Mas ama... - Parei um instante. - É verdade... Amanhã é feriado. Então nesse caso, só não quero chegar tarde da rua.

Eu estava lavando a louça do almoço quando tivemos essa conversa. Não tínhamos feito muita coisa até aquela hora; uma noite longa pode não cansar muito, mas duas noites longas seguidas fazem qualquer um levantar tarde. Acordamos perto de meio-dia, encomendei uma pizza, almoçamos e fui lavar a louça.

- A que horas devo estar pronta?
- Pronta pra quê, mocinha? - Perguntei sorrindo.
- Para irmos.
- Ehr... - Hesitei. - Eu prefiro que você não vá.
- Por quê?!
- Eu não quero te sujeitar a nada do que pode acontecer lá.
- Não acha que eu também tenho direito a acertar umas contas com ele?

Terminei de enxaguar o último prato, fechei a torneira, pus o prato no escorredor e, enquanto enxugava as mãos, virei para ela e disse:

- Eu acho. Mas esse cara já matou um amigo meu e eu não sei se ele costuma perdoar um erro de alguém que ele paga.

Ela fez que ia dizer alguma coisa, mas desistiu a meio caminho. Abaixou um pouco a cabeça, olhou de novo para mim, abraçou-me e disse com a voz fraca:

- Eu vou também, tá?
- Não, Bela. - Envolvi-a com os meus braços também. - Prefiro que você...
- Escuta aqui uma coisa. - Ela olhou fundo nos meus olhos e disse num tom de voz firme. - Eu sei que pode ser perigoso e queo perigo inclui, por exemplo, morte, seu menino. - O tom de voz tornou-se mais suave. - Mas eu também tenho o que descontar, eu também gosto de você e eu também não gosto nem um pouco da ideia de não poder te ver de novo.
- Ai, Bela... - Suspirei. Eu queria falar alguma coisa, mas não me veio nada à cabeça.
- Eu acho que eu posso ajudar em alguma coisa. De repente, se ele não estiver em casa, posso abrir a porta pra você.
- Aiai... - Suspirei de novo. - Tá bom. Você venceu. Mas com uma condição.
- Qual?
- Vamos fazer tudo em comum acordo. A menos que o outro esteja em perigo, não vamos fazer nada que seja precipitado.
- De acordo. - Ela falou e beijou longamente a minha boca.
- Quer dizer, então, que a lourinha não gosta da ideia de não me ver de novo?
- Perguntei como se quisesse fazer graça do que ela disse. Fiz algumas pequenas pausas para beijar-lhe a boca.
- Nem um pouco - Ela disse e beijou-me de novo.
- Não mesmo?
- Detesto. Eu, na verdade, já não gosto da ideia de não te ver sempre que eu quiser.
- É sério isso?
- Seriíssimo.
- Nossa... E agora?
- Agora está cedo. Faltam umas quatro horas pro sol começar a se pôr.

Ri baixinho. Eu esperava outra resposta, mas adorei aquela.

- Eu perguntei sobre a nossa situação, menina, não sobre esse exato minuto.
- Ah, eu sei.
- Eu sei que você sabe. - Continuávamos fazendo pequenas pausas para trocar beijos. - E então?
- Então eu acho que a solução é eu continuar aparecendo de vez em quando pra te ver.
- Só de vez em quando?
- É. Não quero correr o risco de você ficar enjoado de mim. - Ela disse, agarrou-me com força, beijou-me vorazmente e continuou. - Mas esse "agora" é a nossa situação. "Agora" agora...

Falamos entre beijos e ela pôs um delicioso fim na conversa. Fim esse em que já estávamos respirando forte. Por falta de espaço não aconteceu nada dento da cozinha, mas o resto da casa estava livre. A química entre nós era tão forte que, como percebíamos aos poucos, às vezes nós simplesmente não resistíamos. Senti vontade de tomar outro cálice de vinho e abandonar-me aos caprichos dela, mas queria ter certeza de que estaria bem para fazer o que eu ia fazer mais tarde. Não foi nem um pouco ruim, na verdade. O vinho dava um gostinho de fantasia à coisa toda, mas tudo parecia mais selvagem sem ele.
Fomos parar no sofá da sala; eu sentado nele e ela sentada no meu colo, de frente para mim. Os beijos continuavam vorazes desde que ela encerrou a nossa conversa e, num instante, eu já estava sem a minha camiseta, que ela jogara para trás. Ao mesmo tempo em que eu achava uma delícia, estava começando a achar graça da facilidade com que íamos parar em momentos como aquele. Ao ver que ela estava tirando a blusa, não resisti e perguntei:

- Você não cansa, mocinha?
- Nem você, pelo visto. - Ela respondeu sorrindo.
- Não. Até agora, não.
- Ótimo! Não fico mal disposta quando acordo tarde e temos muitas calorias da pizza pra queimar.

Adorei a resposta dela. Alguns minutos depois, estávamos os dos sem qualquer peça de roupa e onde estávamos ficamos por, pelo menos, uma boa hora - até resolvermos que a cama era bem mais confortável que o sofá para esse tipo de coisa. Meu Deus! Como o tempo passava rápido com ela! Não sei se porque eu não tinha vontade de ver as horas - e, mesmo que tivesse, ela não deixaria - ou se porque o tempo realmente passava mais rápido quando estávamos juntos, mas passava muito mais rápido. Depois que acabamos, suados e ofegantes, tomamos um banho e deitamo-nos de novo para descansarmos um pouco. Conversamos sobre assuntos sem importância e rimos bastante. Quando resolvemos descobrir que horas eram, o céu já estava alaranjado e um pequeno pedaço do sol já tinha desaparecido.

- Perfeito! - Falei ao ver como o céu estava. - Não poderia ter sido melhor!
- A hora está boa assim?
- Bom... - Fui para perto dela, abracei-a e olhei-a nos olhos. - Poderia ser melhor, se eu não tivesse alguma coisa pra fazer agora, no fim do dia. Mas, se eu não tivesse o que fazer, provavelmente você não teria vindo atrás de mim e eu não teria te conhecido.
- Ai, menino... É gentileza demais.
- Estou falando sério! Se bem que a ideia de ter te conhecido "de graça" me soa muito bem. Mas gostei muito de como nos conhecemos.
- Eu também, embora eu pudesse ter sido muito mais gentil. Vamos nos arrumar?
- Vamos.

Para ela não foi muito difícil, já que não tinha muda de roupa quando chegou na minha casa. Também não foi difícil para mim: pus uma calça jeans, uma camisa e um par de tênis. Enquanto ela terminava de aprontar-se, desci até o meu carro no térreo e peguei a pistola que estava no portaluvas. Quando voltei ao apartamento, ela estava procurando alguma coisa nos armários da sala. Imaginando que ela estava procurando a pistola dela, estendi a minha para ela:

- Você pode usar esta hoje.
- Mas é presente do seu irmão.
- Não tem problema. Ou você quer outra?
- Quantas você tem?!
- Duas.
- Então... Você é um professor mesmo ou o quê?

Comecei a rir:

- Sou professor, sim. Não um policial, não um matador de aluguel, nada disso. Mas tenho duas armas.
- Então tá. E a minha?
- A que me deu de presente ontem?
- Como assim...? - Ela ia contestar o que eu disse, mas parecia ter lembrado o que aconteceu no dia anterior. - É verdade. Eu tinha desistido de procurar. Tá bom. Eu aceito usar a sua hoje.
- Se necessário. - Puxei a arma na minha direção antes que ela pudesse alcançá-la.
- Se necessário, tudo bem. - Entreguei a ela. - Mas e a que era minha? Onde está?

Ela perguntou e eu me dirigi à cozinha. Servi um copo d'água e, enquanto oferecia a ela, abri a tampa da máquina de lavar louça e de lá tirei a pistola.

- Eu não acredito nisso! - Ela disse, indignada. - Ela estava mesmo dentro da máquina de lavar louça?!
- Uai... Eu disse a você ontem que ela estava aqui.
- Então estava falando sério?
- Eu estava. Não te disse que tinha mudado de ideia sobre achar que você ia me matar?
- Disse.
- Então? Não tinha por que mentir pra você.
- Aiaiai... Você é um menino. É muito esperto, mas é um menino.
- Um menino que sabe onde esconder as coisas. - Eu disse e ri. Ela bebeu a água, servi mais um copo para mim, bebi e saímos.

Como ele morava na mesma quadra onde eu morava, fomos a pé mesmo. Eu não sabia se ele estaria em casa, se estaria sozinho, se estaria armado... Simplesmente ia até lá e fazer o que tinha de ser feito, o que quer que isso fosse. Andamos tranquilamente até o prédio onde ele morava, paramos um pouco no estacionamento e:

- Vamos fazer assim, Bela: vamos esperar até que um carro entre na garagem e eu vou a pé atrás dele. Como esse prédio não tem câmeras de vigilância, não vou ser visto pela segurança. Quando isso acontecer, você vai até a guarita, interfona para o apartamento dele e pede para subir.
- Espera! Eu vou ser a isca?!
- Não. Isca, não; chave. Eu só preciso que você descubra se ele está no apartamento.
- E se ele estiver?
- Se ele estiver, você entra na pela portaria normalmente e me avisa. Pode ligar no celular pra isso. Se ele não estiver, esperamos até um outro carro entrar na garagem e você entra a pé atrás dele também. Ou eu posso abrir uma porta dos fundos na portaria pra você entrar sem ser vista.
- Tá bom. Eu espero que você saiba bem direitinho o que você está fazendo, seu menino.
- Eu sei. - Ou achava que sabia.

Não demorou nem dois minutos até aparecer um carro para entrar na garagem. Enquanto eu entrava, Isabela foi até a guarita. Dois minutos depois o meu celular tocou.

- Oi, Bela.
- Ele não está.
- Ótimo! Não podia ser melhor!
- Está na garagem?
- Estou. Vai para a parte dos fundos da portaria, que eu abro pra você.
- Eu já entrei.
- Ah, sua danada! Estou subindo.

Subi para o térreo pelas escadas e subimos juntos para o sexto andar pelo elevador. Ao chegar lá ela tirou dois clipes de papel de dentro do bolso da jaqueta e ia colocá-los dentro da fechadura da porta. Colocou o primeiro e, antes de colocar o segundo, torci a maçaneta e a porta se abriu.

- Você... - Ela falou sem saber direito o que dizer.
- Eu te disse que não ia ser difícil.

Entramos e fechamos a porta em silêncio. Alguns segundos depois, escutamos uma voz dentro da casa. Ela sussurrou assustada para mim:

- Mas não tinha ninguém em casa!
- Ou ele simplesmente não atendeu.
- Mas por que ele não atenderia?
- Talvez porque não quisesse.

Ouvimos a descarga num banheiro.

- Ou talvez porque estivesse no banheiro. - Continuei. - Sai do apartamento.
- Mas...
- Rápido. - Ouvi o barulho de água na pia do banheiro. - Bate a porta quando sair e entra de novo pelos fundos. Vamos pegá-lo de surpresa. Corre!

Eu me escondi atrás da cortina que tampava a porta da varanda e ela saiu do apartamento batendo a porta. Ele perguntou:

- Quem está aí? - Ninguém respondeu e ele insistiu. - Quem está aí?!

Nada. Pelos ruídos, imaginei que ele estivesse indo para algum quarto, provavelmente para pegar uma arma. Continuei imóvel atrás da cortina. Ele voltou para a sala a passos tranquilos e perguntou antes de abrir a porta da frente:

- É você, sua vadia?!

"Ele não pode estar falando dela. Não pode falar dela assim!" Tive um estalo: aquela voz não me era estranha. Nem de jeito nenhum. Na verdade, parecia a voz de alguém que eu conhecia há tempo. Mas quem?! "Tomara que ela já tenha entrado pela cozinha." Ouvi o som da porta dos fundos sendo fechada. "Ai! Tomara que ele não tenha ouvido isso, ou ela está bem encrencada. Pensa, André! Pensa!"

Infelizmente ele ouviu a porta dos fundos, mas parecia ter ficado sem saber o que fazer. Depois de hesitar um pouco, saiu pela porta da frente em silêncio e fechou a porta também em silêncio. Segundos depois, Isabela entrou na sala pela porta da cozinha. Logo que eu a vi, saí de trás da cortina e ia avisá-la para esconder-se, mas já era tarde: ele aparecera também pela porta da cozinha e a surpreendeu. Quando dei por conta, ele a estava segurando pelo cabelo, bem perto do couro cabeludo, e apontando a arma para ela.

- O que é que vocês dois estão fazendo aqui?! - Ele perguntou, furioso.
- Eu trouxe o cara que sabe demais! "Como ela me entrega assim?! Deve ter uma carta na manga. Pelo amor de Deus, que ela tenha uma carta na manga."
- Então é você o tal cara?
- É, sou eu o tal cara. - Eu parecia só um estranho até aquele momento. Acho que eu estava sendo visto apenas como um cara que sabia o que ele fazia, mas isso até falar que eu era o tal cara.
- André?!
- O próprio.

Ele riu quase descontroladamente, mas não deixou de segurar Isabela com força ou de apontar a arma para mim.

- Eu não acredito nisso, Andrezão!
- O que quer dizer com "Andrezão"?! - Isabela perguntou, intrigada.
- Esse cara... - Eu tentei responder. - Você por acaso se lembra do meu amigo que ele tentou matar?
- Lembro.
- É ele.
- Como assim?! - Ela perguntou de novo.
- É ele. É o Bruno.
- Que surpresa, Andrezão.
- Pois é. E que surpresa mais desagradável. Eu achei que alguém tinha mandado te matar. E, sinceramente, não estou feliz em te ver vivo na posição em que você estar.
- Oh, que pena! - Ele responder num tom gozador. - Que peninha. O seu amigo virou um traficante de armas poderoso e se fez passar por morto pra você.
- Obrigado por recapitular. Pode, agora, me dizer por quê? - Senti muito não ter saído de trás da cortina com a arma na mão. Estava presa nas minhas costas pelo jeans.
- Por quê?! Conhece maneira mais fácil de fazer dinheiro do que aceitando uma oferta irrecusável?
- Sei... Conheço essa história de ofertas irrecusáveis. Um cara põe uma arma na sua cabeça e manda você fazer o que ele quer em troca da sua vida.
- Você é esperto, mas não foi bem isso. Quando eu não tinha nada, tudo o que eu precisava fazer era vender umas armas. Com o tempo eu fui perceber no que eu tinha me metido. Só que a grana é alta. Muito alta.
- Ahn... E com uma grana alta dessas você veio parar num apartamentinho ridículo de três quartos na minha quadra?
- Mas é claro! Algo que eu sou e você nunca será é discreto. Enquanto não posso me mandar daqui como eu quero, ando num carro popular, moro num apartamento numa quadra de classe média na capital... E você desfila por aí num esportivo amarelo. Ridículo.
- Um esportivo amarelo que comprei com um dinheiro que é honestamente meu.
- Sei... E você se importa com isso?
- Finjamos que não. Eu vou fazer, então uma proposta irrecusável: você deixa a modelo ir e faz comigo o que quiser fazer.
- Ah, não. Não tenho a intenção de deixá-la sair viva daqui. Ela tinha uma missão muito simples a cumprir e não a cumpriu.
- Como não? Eu estou aqui. E vivo.
- Eu não quero você vivo. Essa é a questão. Mas já que está vivo, pode me dizer se tem mais alguém que sabe alguma coisa sobre mim e a minha equipe enquanto eu dou cabo dessa vagabunda. - Num movimento mais rápido do que ela pôde administrar, ele tirou a pistola que estava presa na parte de trás do jeans dela e jogou-a contra a parede. Isabela bateu a cabeça e caiu no chão atordoada. Ele mantinha uma pistola apontada para mim e a que tomou dela, apontou para ela.
- Eu trouxe o cara pra você! Não pode me matar! - Ela disse, ainda atordoada.
- Eu disse para matá-lo na quarta-feira e dei a sexta como prazo final, sua vagabunda! - "Graças a Deus ela enrolou o cara um tempinho!" - Como não consegue se livrar de um professorzinho de segundo grau?! Não passa de uma vagabunda imprestável! Olhe pra mim! Quero ver a sua carinha de pânico antes de matá-la!

"Graças a Deus ele está bem concentrado nela!" Num movimento ainda mais rápido que o dele, saltei e, ao mesmo tempo em que, com a mão, desviei a arma que ele apontava para mim, golpeei-o no rosto com um chute que o fez cambalear. Como ainda estava sem reação, desferi-lhe outros três chutes: um na boca do estômago, outro de baixo para cima no rosto e outro de lado, também no rosto. Entre os golpes que levou, ele deixou cair uma das armas. Ele estava caído no chão e a cabeça, mal encostada na parede. Ele estava torto como um boneco de pano que tivesse sido largado ali. Aproveitando que ele estava sem reação, agarrei-o pelo colarinho e o suspendi até que ficasse em pé:

- Ela não é nenhuma vagabunda, seu miserável! - Furioso, desferi-lhe um soco na boca em linha reta, que o fez cair e largar a arma que estava na outra mão.

Caído no chão e desnorteado pelos golpes, ele tentou pegar de novo a sua arma, mas, antes mesmo que eu batesse de novo, Isabela tirou a arma que estava presa nas minhas costas pelo jeans e deu um tiro em sua perna. Ele começou a gritar, mas um chute de Isabela em seu rosto o fez diminuir o escândalo. Ela ficou em pé perto dele e apontou a arma para o seu rosto.

- Vagabunda é a puta que te pariu, seu verme! - Ela falou e deu-lhe outro chute no rosto. - Não sei por que ainda não puxei o gatilho pra uma bala furar a sua testa, seu miserável!
- Do que está falando?! Eu te dei uma oportunidade de fazer dinheiro rápido! - Ele disse entre engasgos.
- É fácil oferecer dinheiro com uma arma na cabeça da pessoa que você quer pegar, não é? Se eu te oferecesse um dinheiro e uma bala, o que você aceitaria?
- O que você acha?

Ela o chutou de novo. Achei que tivesse quebrado o nariz dele dessa vez.

- O que eu acho é que eu deveria ter te matado quando colocou essa maldita arma na minha mão! O que eu acho, é que tem uma bala na sua perna, oito no pente e que deveria haver quatro na sua cabeça, três no seu peito e uma no seu...

Ela ficou tão furiosa e descontrolada que começou a chorar. Acho que, pra uma modelo, já foi demais atirar na perna de um homem, mesmo ele significando risco de morte. Afastou-se um pouco e abaixou a arma. Ele tentou pegar a arma que tinha deixado cair por último pelo silenciador. Ao ver isso, pisei em sua mão logo que agarrou o silenciador, chutei a arma para longe dele e apliquei uma chave de braço que rendeu um estalo e um grito de dor.

- Você nunca mais vai atirar em ninguém, seu maldito! - Eu disse a ele num tom de voz ainda irritado.
- Andrezão... Você... - Calei sua boca com um murro no nariz. Se não tinha quebrado com o chute de Isabela, quebrou com a minha mão.
- Não me chama de Andrezão outra vez, se não quiser que eu quebre o seu outro braço, desgraçado!

Continuei ajoelhado ao lado dele e segurando-o pelo colarinho enquanto Isabela foi fazer alguma coisa pela casa. Eu não sabia se queria bater mais, se queria matá-lo, se queria torturá-lo pelo que fez comigo e com Isabela... Isabela voltou usando luvas de couro e com a arma na mão.

- O que fez?
- Lavei a arma.
- Pra quê?!
- Pra não deixar as minhas digitais nela. - Ela disse e, logo depois, fez-me soltar o colarinho de Bruno e, com a mesma chave de braço que eu usei, ela quebrou o outro braço e, para que ele não gritasse tanto, chutou sua boca de novo. Enquanto ele grunhia de dor, ela posicionou a arma na mão dele como que para pegar as digitais e a largou no chão da sala, longe do alcance dele.
- Vamos embora, Dé. Já chamei a polícia e eles não devem demorar a chegar.
- Já?!
- Vamos logo.
- Eu vou processá-los por lesão corporal, seus malditos.
- Legítima defesa, Sr. GREVE. - Ela retrucou.
- Acredita mesmo nisso? Com uma bala na perna e os dois braços quebrados?
- Com um braço só você pode manusear uma arma. - Eu respondi. - E outra... Não sei se vão dar atenção a um traficante de armas de segunda categoria.
- Adeusinho. - Isabela disse.
- Eles vão achá-los!
- É mesmo? Com que digitais? As maçanetas das portas estão limpas. Divirta-se na cadeia. - Ela disse.
- E arruma um bom plano de saúde. Você sabe como são os hospitais públicos.
- Eu vou matá-los, entenderam?! Eu vou matá-los!

Voltei, segurei-o pelo colarinho de novo e disse:

- Sabe por que não te matei, seu maldito? Porque você já morreu! Se você não morreu porque mandaram te matar, morreu porque o meu grande amigo jamais seria um traficante de armas.
- A carona dele já está chegando, Dé. Não queremos responder nenhuma pergunta.

Saímos pela porta da frente e ela a fechou, segurando a maçaneta com a luva de couro.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Sonhar e Sorrir Vol. 8

Acordei com a luz do sol invadindo o meu quarto pela janela. Eram dez horas da manhã e, apesar de ter dormido sem roupa, eu estava suando embaixo do lençol. Bom... Não só embaixo do lençol, mas quase embaixo daquela loura linda. Quê? Meu Deus... Dormimos juntos. Só me pareceu uma surpresa até eu lembrar rapidamente o que aconteceu na noite anterior e, depois, nos últimos três dias.
"Está tudo bem, rapaz. Dormir acompanhado não é feio, não mata e não é pecado." Olhei de novo o relógio - dez e dois - e depois olhei a moça. Ela dormia tão profundamente que parecia que não acordaria mesmo que eu tentasse acordá-la. Tentei, de fato, mas o máximo que consegui foi um suspiro dela, sem sombra de chance de sequer abrir os olhos.
Levantei-me, vesti minha roupa, escovei os dentes e, vendo que ela não acordaria tão cedo, fechei a cortina da janela do quarto. Fui à cozinha ver o que havia para comer - ainda bem que fiz compras na quarta - e resolvi servir a mesa do café. "Que será que ela come no café da manhã?" Enquanto pensava, voltei para a cozinha e pus-me a lavar a louça do dia anterior. Coisa rápida: uma panela, uma tábua, dois pratos, dois cálices, dois garfos, duas facas - sem contar a que usei para picar os tomates - e... "Uai! Acabou? Que bom!"
Depois de pôr a louça no escorredor tive a brilhante ideia de esconder a pistola de Isabela. Não sei se o fato de ela estar abrigada na minha casa ou de ter dormido comigo muda alguma coisa e não sei se quero correr algum risco. Na falta de um cofre ou armário fechado a chave, pus a arma dentro da máquina de lavar louça. "Esquisito, mas duvido que ela vá procurar aí dentro."
Escondi a arma e resolvi acordá-la. Parei na porta do quarto e ver aquela loura esparramada na cama foi tão engraçado quanto deu dó. Eu não queria tomar café da manhã sozinho. "Já faço isso todo dia.", mas não queria acordá-la. Comi um bombom para enganar a fome e fui jogar video game. Mantive o volume da tevê baixo para não acordá-la - embora o sono fosse pesado - e joguei por uns quinze minutos até escutar coisas no meu quarto. Mais cinco minutos e, tendo percebido que ela levantara, desliguei o jogo e a tevê e fui ao encontro dela. Eu ia saindo do quarto onde eu estava e quase trombamos um no outro.
- Bom dia, luz do dia - eu disse sorrindo.
- Bom... dia... - ela respondeu como se não soubesse direito o que estava acontecendo.
- Está tudo bem?
- Está, eu acho. Espera...
- O quê?
- Estamos na sua casa?
- Ehr... Sim.
- E jantamos juntos - ótimo; ela lembra o que aconteceu. Só está recapitulando.
- Aham - cnfirmei.
- Ei! Espera! - ela falou assustada. - E ele?
- Ele quem?
- O cara que me mandou te matar...
- Que tem ele?
- Ele vai...
- Vai nada! - interrompi. - Ele não sabe nem onde eu moro.
- Ai... Ufa... Então estamos na sua casa e jantamos juntos.
- É.
- Com vinho.
- Dos caros.
- E dormimos juntos?
- Bem juntos.
- Uau... - ela sussurrou, eu ri. - E fizemos sexo?
- Senão, não teríamos dormido juntos, eu acho. - eu disse rindo ainda mais.
- Uau! - "Por que 'uau'?"
- Moça, com um 'uau' eu posso pensar que você não fez de propósito. Com dois, eu posso pensar que você gostou.
- Ah, mas eu gostei! E não só gostei como... - ela olhou por trás de mim e viu o controle do jogo no chão. - Ai, meu Deus!
- O quê? Que foi?
- Dormi com um professor que joga video game!
- Ehr... É... - eu respondi sem saber o que pensar.
- Que mais? - rapidamente ela foi até a sala e viu a mesa posta. - Ah, eu não acredito nisso! Dormir com um professor que joga video game e come sucrilhos no café da manhã!
Eu não consegui não rir.
- Vou fazer de conta que isso é bom, está bem?
- Bom? Teria sido mesmo um desperdício te matar, seu menino.
- Ah, é? Por quê?
- Por falar nisso... Cadê a minha pistola?
- Ahá! Eu sabia que você ia mudar de ideia!
- Dã! Se ontem era o último dia para te matar, está meio tarde pra mudar de ideia, você não acha?
- Bom... Você tem razão. Está na máquina de lavar louça.
- Hein?! - ela me olhou com a cara mais torta do mundo. - Bom... Antes de mais nada... - ela segurou o meu rosto com as duas mãos e deu-me um beijo profundo e demorado. - Foi muito feio não te dar bom dia direito.
- Não se preocupe. - eu disse sorrindo e dei-lhe um abraço e outro beijo.
- Agora... Onde está aquela bela pistola semiautomática? - ela perguntou sorrindo e fazendo charme.
- Dentro da máquina de lavar louça.
- Ah, Dé! Eu desisto. Pode ficar com ela.
- Ótimo! Adorei o presente. Vamos comer?
- Vamos. Estou morta de fome.
- Imagino. O que vamos fazer hoje?
- Eu estava pensando em ir ao salão dar um trato no cabelo, fazer as unhas, sobrancelhas, depois ir ao shopping comprar umas bolsas, sapatos - parei com a colher de sucrilhos a caminho da boca e arregalei os olhos - , blusas, vestidos e um estojo novo de maquiagem.
- Uau... - levei uns cinco segundos para responder.
- Mas ficar por aqui e tocar violão, jogar video game e tomar sol na cobertura do prédio me parece muito mais relaxante e divertido. - os dos rimos alto.
Tomamos o nosso café da manhã, lavei a louça e fomos para o meu quarto. Enquanto isso conversamos um pouco sobre coisas importantes como o tempo que faria no dia, a qualidade da água da piscina na cobertura do prédio, a existência de uma sauna perto da piscina e a possibilidade de ela me vencer em um jogo de luta no video game - no qual eu nunca fui bom. Fomos ao meu quarto e...
- Ponha um biquíni. Vai ser ótimo tomar um sol na piscina, aproveitando que o sol está alto.
- Mas eu não trouxe biquíni. Eu vim ontem pra te apagar, lembra?
- Ora! Que tipo de assassina de aluguel anda sem biquíni na bolsa?
- Que tal "o tipo que leva o serviço a sério"? - ela parou de repente, olhamos um nos olhos do outro e rimos da piada.
- Certo... Quer dar uma saída pra comprar um?
- Acho que eu sobrevivo sem tomar banho de piscina.
- Tudo bem, então. Conta uma coisa... Por que mesmo você disse que teria sido um desperdício me matar?
- Hmmm... Porque não é em todo lugar que se encontra um professor que anda de carro esporte, não bebe, joga video game e come sucrilhos no café da manhã.
- Nossa! E isso são qualidades?
- Fora que você é o cara mais bonito que já me mandaram matar.
- Nossa! Isso me fez sentir bem, sabia? - eu ri da piada dela. Ela também riu, aproximou-se, encostou o nariz no meu e disse:
- Mas eu te acho bonito, sim. Eu disse isso anteontem. - e me deu um beijo.
Subimos para a cobertura do prédio e passamos um bom tempoconversando embaixo do sol. Como se não bastasse fritarmos no sol, resolvemos assar na sauna. As horas que passamos na cobertura do prédio foram bastante divertidas para os dois. Já passando das duas da tarde, resolvemos voltar para o apartamento e almoçar. A tarde também foi tranquila, regada a jogos de video game, um filme e violão, conforme ela sugeriu. Foi uma ótima ideia passar o dia em casa. Em parte porque foi mesmo divertido um programa a dois sem precisar sair para nada e em parte porque dentro da minha casa ela estava a salvo.
Caiu a noite e fomos parar na varanda de novo. Curioso que o assunto no qual não tocamos o dia todo veio aparecer só quando fomos para a varanda. Ela disse:
- Acho que eu preciso ver algumas coisas logo.
- Que coisas?
- Uma possível documentação falsa, passagem pra outra cidade...
- E por quê?
- Dé, não dá pra ficar aqui com esse cara na minha cola.
- Eu já disse: ele não vai ficar na sua cola. Amanhã ele não estará mais. Você não vai precisar ir embora.
- Mas também não posso ficar aqui.
- "Aqui" na cidade ou "aqui" na minha casa?
- Na sua casa.
- Você não precisa ficar, se não quiser. Aliás, acho até meio precipitado já ficar por aqui assim tão rápido.
- Eu também.
- Mas eu não ia achar a ideia lá muito ruim. - falei com um sorriso zombeteiro.
- Seu bobo!
- Falando sério... Você não precisa ir embora. Não estou dizendo que tenha que ficar aqui comigo, mas não precisa sair da cidade. Eu detestaria não poder te ver de novo.
- Como assim?
Hesitei. "E agora? Que é que eu digo?"
- Eu gosto de você, Bela. É só isso.
- Como assim?! Eu quase te matei três vezes!
- Eu fui pra cama com você, não fui? Eu não teria feito isso, se não gostasse de você, no mínimo.
- Você não foi pra cama comigo, você foi atirado e amarrado a ela.
- Você acha que eu teria deixado, se eu não quisesse?
- Você tinha bebido, André!
- E você realmente acha que eu teria bebido, se não estivesse me sentindo seguro?
- Eu...
- Eu sei o que me acontece quando eu bebo. A última vez tinha sido dez anos atrás, mas eu sei que eu não aguento. Eu só me sujeitei àquilo porque eu sabia que estava seguro com você. Eu quis me submeter a você.
- ...
- Você me jogou na cama e me amarrou, sim. Mas só porque eu sabia que estava a salvo com você.
- Mesmo eu tendo tentado te matar três vezes antes?
- Mesmo assim.
- Como?! Como você podia ter certeza de que estava a salvo?! - os olhos dela lacrimejaram.
- Se você fosse mesmo me matar, teria feito isso na quarta-feira, quando eu apareci pra pegar o meu carro e ir fazer compras. - delicadamente peguei o rosto dela com uma das mãos e virei-o para mim. - Quando você entrou no meu carro eu já sabia que você não ia me matar. Fiquei com medo, eu confesso, mas aqui dentro eu já falava que não ia acontecer nada.
Não chorou muito. Quase nada, na verdade, mas levou um tempo para se recompor.
- Você... Aiai... Detestaria que eu fosse embora, é?
- É.
- Mesmo a gente se conhecendo tão pouco?
- Mesmo assim.
- Tá... - ela enxugou as lágrimas. - E como você pretende fazer amanhã pra pegar o cara?
- Como assim "ele" e "o cara"? Você não sabe o nome dele?
- Não. Ele nunca se identificou pra mim. Aliás, duvido que ele já tenha se identificado pra alguém.
- Que beleza. Nem nome ele tem.
- Pois é. Eu também acho que as pessoas deveriam ter um nome, mas...
- Bom... Vai ser bem simples. Eu vou entrar lá e eu acho bom ele rezar.
- Você vai mesmo matá-lo?
- Não sei. Mas ele não podia ter matado o meu amigo, não podia ter matado quem ele já deve ter matado, não devia ter metido você nisso e não pode continuar dando trabalho pra polícia, que já não faz nada.
- Como assim "não faz nada"?
- Ora! Não faz! Se até eu sei onde o cara mora e que ele trafica armas, a polícia deve saber melhor que eu. E não fez nada. Ele está lá, bem sossegado no canto dele.
- É verdade.
- Mas de amanhã ele não passa. Depois disso você vai poder voltar pra sua casa sossegada, vamos poder sair sossegados e ainda vai haver mais um apartamento vago nessa quadra pra quem quiser morar.
- E aquela coisa toda que você me falou sobre estragar a minha carreira pra matar alguém?
- Bom... Não faz sentido pra mim; eu não sou modelo. - ela riu com a piadinha e mudamos des assunto.
- E agora? O que a gente faz?
- Que tal outro vinho?
- Você tem outro daquele?
- Até tenho, mas aquela garrafa ainda não acabou, não é?
- Não. Não acabou ainda. Você me ajuda a dar cabo dela?
- Com certeza.
- Depois eu acho que a gente pode dormir. Amanhã vai ser um dia especial pra alguém.
- Com certeza. Mas dormir depois do jantar e do vinho. E não imediatamente depois, se não se importa.
- O que você tem em mente, seu menino? - ela me olhou docemente.
Outra noite longa? Por que não?