quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

O sentido dos sentidos

Não sei se acontece com vocês, se acontece com todos nem se é normal, mas hoje eu reparei uma coisa que achei bem esquisita. Levanta a mão aí quem um dia sentiu que os sentidos estavam todos aguçados - tá, não precisa levantar a mão. Vai ser engraçado alguém te ver na frente do computador com o braço erguido. Então...
Eu já reparei que toda manhã, quando acordo, a minha audição está absurdamente aguçada. Não só de manhã, na verdade. Depois daquele cochilo que a gente tira à tarde - pra matar a "depressão pós-almoço" - até mesmo o barulho da água do chuveiro caindo no chão torna-se ensurdecedor. Tudo bem, até aí, pra mim, é normal. O fato é que não é só isso.
Hoje de manhã, quando estava chegando no trabalho, comecei a perceber essa mudança estranha. Deixei o carro com o manobrista e fui andando até a portaria do prédio - não deve dar mais que cem metros de caminhada. Nesses mínimos cem metros eu senti - juro que contei - quinze cheiros diferentes. E antes tivessem sido um cheiro de pipoca, outro de massa cozinhando, outro de cocô de cavalo - que são cheiros fortes e acho que qualquer um reconhece quando sente. Desses cheiros todos, posso dizer genericamente, que quatro eram cheiros de coisas podres, cinco eram cheiros de rua - fumaças, asfalto e pneu queimado - três de produtos de limpeza e três de perfumes.
Segundo assalto. Enfiei a mão no bolso da calça para pegar as chaves da porta do escritório, que ficam no mesmo molho de chaves em que levo as de casa. Pois pus a mão no bolso e, por mais incrível que me parecesse, reconheci a chave que fica imediatamente abaixo da maçaneta pela textura da cabeça da própria chave - seria fácil reconhecer a outra, pois é uma chave tetra. Como fiz isso? Nem eu sei. Enquanto destrancava a porta, percebi as inúmeras irregularidadezinhas dos meus lábios - que estavam ressecados - e de dentro da minha boca - às vezes, por nervosismo, mordo a pelezinha de dentro dela. São coisas que não costumo notar com facilidade e muito menos com a mesma precisão com que fiz hoje de manhã.
Terceiro assalto. Entrei no escritório, liguei o computador, o condicionador de ar e saí de novo para comprar o jornal do dia na banca de revistas ali perto. Tranquei a porta, peguei o elevador e... Que gosto é esse? Ah... A manteiga de cacau que eu passei assim que entrei no escritório. Nunca tinha reparado que ela não tem gosto do que quer que o rótulo diga que ela tenha. Na verdade, nunca tinha reparado nem que ela tem gosto, só que deixa a boca meio melequenta - do mesmo jeito que fazem os brilhos labiais das moças. Enfim...
E não parou por aí. Quem me conhece sabe que tenho hipermetropia, astigmatismo e estrabismo. Então, o último sentido que, pela lógica, poderia ficar aguçado por qualquer razão, é a minha visão. Mas mesmo ela teve lá suas alterações. Como caminhei até a banca de revista com a cabeça baixa, não percebi muita coisa diferente, mas eu não sabia que o asfalto tinha tanto mais que só cinza, branco e amarelo. Cheguei à banca, comprei o jornal e voltei. Desta vez, com a cabeça bem erguida. E fiquei impressionado com o número de cores que vi e percebi em outras cores enquanto voltava ao escritório. Não sabia que a cor prata da Fiat tinha o espectro azul e a prata da Chevrolet tinha o espectro cinza. "Espera, André, que coisa mais esquisita em que reparar." Mas é verdade. Dois Fiat Palio, dois Fiat Uno e um Fiat Marea prateados entre a banca de revistas e a portaria do prédio do escritório. A prata da Fiat tem, realmente, um fundo azul. Três Chevrolet Corsa, uma Chevrolet Meriva, dois Chevrolet Astra, um Chevrolet Vectra - e todos estes prateados. Engraçado, a prata da Chevrolet é, realmente, meio acinzentada.
Agora... Por que diabos isso acontece? Alguma razão especial? Algum palpite? Se a resposta pra essas perguntas for "Não sei", "Não sei" e "Não", respectivamente... Bom... Bem-vindo ao Answerless.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Pra começar bem...

E por que não começar o ano falando de Letras e afins? Afinal de contas, não é essa a minha área de trabalho e estudo? Acho que, de vez em quando, esse tipo de assunto num blog é bem-vindo - será que eu usei direito esse hífen?
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O novo acordo ortográfico - opinião pessoal
Eis um assunto que há tempos eu penso em colocar em discussão aqui no Answerless. Um assunto que, diga-se de passagem, tem-me dado dor de cabeça desde que tomei conhecimento - e isso já faz um bom tempo. Qual é a opinião de vocês, leitores, a respeito desse novo acordo ortográfico?
Tenho salvo no meu computador um endereço eletrônico que traz, descritas e explicadas, as novas regras de ortografia da língua portuguesa. Depois de, finalmente, aceitar que as mudanças já foram feitas, aprovadas, que já estão em vigor e depois de ler e reler aquele troço sei lá quantas vezes eu me pergunto: pa-ra-quê?
Peço desculpas antecipadas por escrever "à moda antiga" daqui até o fim da postagem. Logo vocês entenderão por que.
Comecemos pelo hífen. Finalmente o uso desse tracinho enjoado ficou mais simples. Na minha cabecinha de vento as regras para o uso do hífen ganharam mais lógica. Contudo, devo dizer que foi a única mudança que achei positiva - entre as tantas feitas na nossa bela língua. Atentemos agora para os "podres".
Por exemplo: o que passa pela cabeça de uma pessoa quando pensa em sumir com o acento de metade das paroxítonas e com acentos diferenciais? Pelo amor de Cristo! Não! Se "tem" e "têm" continuam diferentes na escrita e as pessoas sabem que o primeiro é singular e o segundo é plural, por que diabos sumir com o acento diferencial de "pára"? Não é ele, afinal de contas, que diferencia uma preposição de um verbo? Qual é, exatamente a utilidade disso?
Outro exemplo: por que tirar o acento de palavras como "paranoia"? Não é paranóia demais? Seguindo a mesma mecânica que faz com que uma poça seja uma "pôça" e não uma "póça", daqui a não muitos anos a nossa paranóia vai virar paranôia.
Quem quiser discordar - com ou sem motivo - , que discorde. Não tem problema. Mas há mais para discutir. Uma mudança de derrubar o queixo: o sumiço do trema. Tudo bem, tudo bem. Perdi as contas de quantas pessoas já ouvi falar que acham um saco colocar aqueles dois pontinhos nojentos em cima do "u". Contudo, a maioria delas acha um saco ter de colocar acento em um monte de palavras. Só que - pelo amor de Deus! - ninguém dessas pessoas já pensou que, fatalmente, daqui duas ou três gerações, calculo eu - leiam como leriam até 31/12/2008, por favor - , a lingüiça vai virar linguiça, ninguém mais vai freqüentar lugar nenhum - e sim frequentar - e muitas pessoas não aguentarão muitas coisas que enfrentam no seu dia-a-dia?
Certo, certo. Vá lá. Regras são regras e elas foram feitas para ser seguidas. Uns acentos a menos, uns tremas a menos, uns hífens mais assim e menos assado... Mas a mudança "suprema", aquela que não cabe na minha cabecinha, aquela que não me desce pela goela nem que empurrem, é a adoção de K, W e Y no nosso alfabeto.
Ai...
Para quê? Pergunto a vocês, leitores, e a mim mesmo: pa-ra-que, meu Deus do céu? Como professor de português, corretor de imóveis - que está sempre no meio de pessoas que usam palavras difíceis da administração, do direito e de outros ramos - e como - claro! - um rapaz de vinte e dois anos de idade, eu já não agüentava - quer dizer, já não aguentava - ouvir certas coisas. Quando me disseram, certa vez, que eu poderia fazer um leasing para comprar um carro novo, quase tive um enfarto. Leasing não quer dizer financiamento? Mais ou menos. Uma vez uma amiga minha disse que leasing quer dizer arrendamento mercantil de não sei das quantas - era um nome muito comprido e eu não lembro agora. Mas ainda que seja um arrendamento mercantil de patati caixa de fósforo, pra que diabos usar uma palavra que nada tem a ver com as nossas origens?
Outra situação. Um amigo foi para uma entrevista de emprego e me contou que o possível futuro chefe gostou muito dele e disse que pelo seu know how... Pára! Quer dizer, para! Não era muito melhor - e muito mais bonito - dizer que "... pelo seu conhecimento..."? Eu confesso que só não vou tocar em shopping porque eu, no momento, não sei como substituir essa palavra por uma que seja puramente portuguesa. Mas continuo achando que, para toda palavra, expressão ou termo que usemos em inglês, francês ou qualquer outra língua, existe uma palavra, expressão ou termo equivalente no portugês.
Eu, caríssimos leitores, detestei a tal reforma ortográfica. Ressalto, mais uma vez, que todo esse texto é apenas uma opinião pessoal. Não quero que ninguém se ofenda com as minhas palavras aqui. Mas ainda há mais um ponto em que tocar.
Na primeira vez em que ouvi a respeito de reforma da língua portuguesa, acordo ortográfico, coisa e tal, o argumento era que isso serviria para unificar a língua de todos os países falantes de português. E eu torno a perguntar: pa-ra-quê?
Eu já quase fui esbofeteado em certas discussões sobre povos, culturas, línguas e afins. E tais - quase - bofetadas vieram seguidas de "língua é cultura", "cultura é feita de língua", "a língua de um povo é a sua identidade e ela faz dele um povo único". E agora eu me pergunto: cadê esse pessoal que fala essas coisas? Não tinha ninguém que pensasse dessa forma em meio às pessoas que aprovariam ou não o novo acordo ortográfico? Nunca na vida discordei de que língua é cultura e identidade. Jamais. Muito pelo contrário, concordo plenamente com essa idéia - quer dizer, ideia. Na verdade, é um fato e não só uma ideia. Agora que todos os povos que falam língua portuguesa têm as mesmas regras, a identidade deles - inclusive a nossa, brasileiros - , fica abalada? Alterada? Ou some de vez?
Não, não some. Um povo é feito de cultura e a cultura é feita de mais que só a língua. Contudo, uma marca da identidade de todos os povos que falam o português acaba de sumir. Ou, por acaso, achais que não, caríssimos leitores? Não deixem de expressar a vossa opinião pessoal num comentário nessa postagem, certo?
Beijos e abraços a todos!