Não sei se acontece com vocês, se acontece com todos nem se é normal, mas hoje eu reparei uma coisa que achei bem esquisita. Levanta a mão aí quem um dia sentiu que os sentidos estavam todos aguçados - tá, não precisa levantar a mão. Vai ser engraçado alguém te ver na frente do computador com o braço erguido. Então...
Eu já reparei que toda manhã, quando acordo, a minha audição está absurdamente aguçada. Não só de manhã, na verdade. Depois daquele cochilo que a gente tira à tarde - pra matar a "depressão pós-almoço" - até mesmo o barulho da água do chuveiro caindo no chão torna-se ensurdecedor. Tudo bem, até aí, pra mim, é normal. O fato é que não é só isso.
Hoje de manhã, quando estava chegando no trabalho, comecei a perceber essa mudança estranha. Deixei o carro com o manobrista e fui andando até a portaria do prédio - não deve dar mais que cem metros de caminhada. Nesses mínimos cem metros eu senti - juro que contei - quinze cheiros diferentes. E antes tivessem sido um cheiro de pipoca, outro de massa cozinhando, outro de cocô de cavalo - que são cheiros fortes e acho que qualquer um reconhece quando sente. Desses cheiros todos, posso dizer genericamente, que quatro eram cheiros de coisas podres, cinco eram cheiros de rua - fumaças, asfalto e pneu queimado - três de produtos de limpeza e três de perfumes.
Segundo assalto. Enfiei a mão no bolso da calça para pegar as chaves da porta do escritório, que ficam no mesmo molho de chaves em que levo as de casa. Pois pus a mão no bolso e, por mais incrível que me parecesse, reconheci a chave que fica imediatamente abaixo da maçaneta pela textura da cabeça da própria chave - seria fácil reconhecer a outra, pois é uma chave tetra. Como fiz isso? Nem eu sei. Enquanto destrancava a porta, percebi as inúmeras irregularidadezinhas dos meus lábios - que estavam ressecados - e de dentro da minha boca - às vezes, por nervosismo, mordo a pelezinha de dentro dela. São coisas que não costumo notar com facilidade e muito menos com a mesma precisão com que fiz hoje de manhã.
Terceiro assalto. Entrei no escritório, liguei o computador, o condicionador de ar e saí de novo para comprar o jornal do dia na banca de revistas ali perto. Tranquei a porta, peguei o elevador e... Que gosto é esse? Ah... A manteiga de cacau que eu passei assim que entrei no escritório. Nunca tinha reparado que ela não tem gosto do que quer que o rótulo diga que ela tenha. Na verdade, nunca tinha reparado nem que ela tem gosto, só que deixa a boca meio melequenta - do mesmo jeito que fazem os brilhos labiais das moças. Enfim...
E não parou por aí. Quem me conhece sabe que tenho hipermetropia, astigmatismo e estrabismo. Então, o último sentido que, pela lógica, poderia ficar aguçado por qualquer razão, é a minha visão. Mas mesmo ela teve lá suas alterações. Como caminhei até a banca de revista com a cabeça baixa, não percebi muita coisa diferente, mas eu não sabia que o asfalto tinha tanto mais que só cinza, branco e amarelo. Cheguei à banca, comprei o jornal e voltei. Desta vez, com a cabeça bem erguida. E fiquei impressionado com o número de cores que vi e percebi em outras cores enquanto voltava ao escritório. Não sabia que a cor prata da Fiat tinha o espectro azul e a prata da Chevrolet tinha o espectro cinza. "Espera, André, que coisa mais esquisita em que reparar." Mas é verdade. Dois Fiat Palio, dois Fiat Uno e um Fiat Marea prateados entre a banca de revistas e a portaria do prédio do escritório. A prata da Fiat tem, realmente, um fundo azul. Três Chevrolet Corsa, uma Chevrolet Meriva, dois Chevrolet Astra, um Chevrolet Vectra - e todos estes prateados. Engraçado, a prata da Chevrolet é, realmente, meio acinzentada.
Agora... Por que diabos isso acontece? Alguma razão especial? Algum palpite? Se a resposta pra essas perguntas for "Não sei", "Não sei" e "Não", respectivamente... Bom... Bem-vindo ao Answerless.