Depois de alguns minutos andando sem saber direito por onde...
- Você me parece perdido, rapaz - uma voz feminina disse a ele num tom doce.
- É... - ele respondeu sorrindo, meio sem jeito. Mais ou menos. Onde você está? Não estou te vendo.
- Não sei se já é hora de me mostrar. Pode ser que você se assuste.
- Ehr... Bom... Que voz bonita a sua.
- Muito obrigada - e a garota apareceu diante dele. Pelo menos a voz você achou bonita.
- Meu deus!
- Eu sabia que você se assustaria. Como pode ver, não estou exatamente vestida... - ela disse olhando para si mesma e observando o aparente pedaço de pano branco que se enrolava em seu corpo como uma espiral, começando pelo ombro direito e cobrindo os seios, a pelve e os glúteos.
- Juro que nunca vi ninguém linda assim.
- Nossa! Muito obrigada. Você também é bem bonito. Mas... Me permite fazer uma pergunta pessoal?
- Claro.
- O que fez essa cicatriz? - ela apontou para o peito descoberto do garoto, que tinha uma cicatriz que o cortava na diagonal.
- Ah, sim... Me cortaram com uma faca.
- Que horror! E fica a marca assim?
Sem entender direito, o garoto respondeu:
- Bom... Fica... É normal... Você também tem cicatrizes. O que aconteceu?
- Eu não entendo... Quando as coisas dóem, deixam marcas em você?
- Ehr... Deixam... Boa parte delas deixa. Mas como você não entende? A sua boca, por exemplo, está toda marcada. Como foi isso?
- Ah! Eu fui uma adolescente, vamos dizer assim, sapeca.
- Como assim?
- Ora... Essas marcas são dos beijos que eu ganhei.
- Como?! Beijos deixam marcas?!
- E como deixam! Olha - e virou-se de costas para mostrar as cicatrizes que tinha na nuca - todas essas foram beijos.
O garoto fez a cara mais surpresa do mundo.
- Conte mais... - ele disse sem saber direito se queria mesmo que ela contasse.
- Essas marcas todas nas minhas costas são cafunés. Afagos deliciosos que me fizeram.
- Meu Deus! Como deixam marcas assim?
- Ora! Como não? Tenho um monte na cabeça também, mas o meu cabelo esconde.
- E o seu corpo tem algumas manchas... O que são?
- Ah! Das minhas preferidas! Abraços maravilhosos! Curtos, longos, de corpo inteiro, em pé, deitada... Um mais delicioso que o outro!
- Ehr... Me permite fazer uma pergunta absolutamente indiscreta?
- Pergunte.
- Você é... virgem?
- Não.
- E, quando fez... Ficaram cicatrizes? - ele perguntou absolutamente incerto de perguntar.
- Claro, mas não são visíveis você sabe por que. É uma das carícias mais perfeitas que se pode fazer! Deixa marcas como qualquer outra carícia.
- Eu não entendo!
- Como não entende? EU não entendo essa marca no seu peito! E essa no canto da sua testa? Parece um furo! O que foi isso?
- Uma bala. Foi assim que eu morri.
- Com um tiro na testa?!
- Foi.
- Nossa!
- Ora... E essa nas minhas costas? - ele mostrou um corte extremamente profundo. Essa foi de quando me cravaram uma faca, poucos minutos antes de atirarem em mim.
- Como é isso?! As coisas ruins é que deixam marcas na sua terra?
- É, ora! Normal! De onde você veio?!
- De Isomerílita.
- E lá são as coisas boas que deixam cicatrizes, fazem sangrar e tal?
- Mas é claro! O que seria das pessoas se, além da dor das coisas ruins, tivessem que carregar as marcas?
- Como eu? - ele perguntou com os olhos cheios d'água.
Ao ver que o rapaz começava a chorar, a garota o abraçou e pôs-se a acariciá-lo nas costas. As marcas que ele tinha sumiam ao toque das mãos dela e outras apareciam no lugar.
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Nem adianta ver o dicionário que você não vai achar "Isomerílita" nele. Misturei "isomeria" - que eu "roubei" da química pra representar algo às avessas - e "lito" - que eu "roubei" da biologia pra representar terra - pra dizer algo como uma terra onde as coisas acontecem ao contrário.
Agora imagine que apareçam dois seres nus com os corpos marcados. Um marcado com um corte no peito, uma faca cravada nas costas, uma bala na testa e outras de outros machucados e outro manchado de abraços e marcado de beijos e cafunés.