segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Sonhar e Sorrir Vol. 8

Acordei com a luz do sol invadindo o meu quarto pela janela. Eram dez horas da manhã e, apesar de ter dormido sem roupa, eu estava suando embaixo do lençol. Bom... Não só embaixo do lençol, mas quase embaixo daquela loura linda. Quê? Meu Deus... Dormimos juntos. Só me pareceu uma surpresa até eu lembrar rapidamente o que aconteceu na noite anterior e, depois, nos últimos três dias.
"Está tudo bem, rapaz. Dormir acompanhado não é feio, não mata e não é pecado." Olhei de novo o relógio - dez e dois - e depois olhei a moça. Ela dormia tão profundamente que parecia que não acordaria mesmo que eu tentasse acordá-la. Tentei, de fato, mas o máximo que consegui foi um suspiro dela, sem sombra de chance de sequer abrir os olhos.
Levantei-me, vesti minha roupa, escovei os dentes e, vendo que ela não acordaria tão cedo, fechei a cortina da janela do quarto. Fui à cozinha ver o que havia para comer - ainda bem que fiz compras na quarta - e resolvi servir a mesa do café. "Que será que ela come no café da manhã?" Enquanto pensava, voltei para a cozinha e pus-me a lavar a louça do dia anterior. Coisa rápida: uma panela, uma tábua, dois pratos, dois cálices, dois garfos, duas facas - sem contar a que usei para picar os tomates - e... "Uai! Acabou? Que bom!"
Depois de pôr a louça no escorredor tive a brilhante ideia de esconder a pistola de Isabela. Não sei se o fato de ela estar abrigada na minha casa ou de ter dormido comigo muda alguma coisa e não sei se quero correr algum risco. Na falta de um cofre ou armário fechado a chave, pus a arma dentro da máquina de lavar louça. "Esquisito, mas duvido que ela vá procurar aí dentro."
Escondi a arma e resolvi acordá-la. Parei na porta do quarto e ver aquela loura esparramada na cama foi tão engraçado quanto deu dó. Eu não queria tomar café da manhã sozinho. "Já faço isso todo dia.", mas não queria acordá-la. Comi um bombom para enganar a fome e fui jogar video game. Mantive o volume da tevê baixo para não acordá-la - embora o sono fosse pesado - e joguei por uns quinze minutos até escutar coisas no meu quarto. Mais cinco minutos e, tendo percebido que ela levantara, desliguei o jogo e a tevê e fui ao encontro dela. Eu ia saindo do quarto onde eu estava e quase trombamos um no outro.
- Bom dia, luz do dia - eu disse sorrindo.
- Bom... dia... - ela respondeu como se não soubesse direito o que estava acontecendo.
- Está tudo bem?
- Está, eu acho. Espera...
- O quê?
- Estamos na sua casa?
- Ehr... Sim.
- E jantamos juntos - ótimo; ela lembra o que aconteceu. Só está recapitulando.
- Aham - cnfirmei.
- Ei! Espera! - ela falou assustada. - E ele?
- Ele quem?
- O cara que me mandou te matar...
- Que tem ele?
- Ele vai...
- Vai nada! - interrompi. - Ele não sabe nem onde eu moro.
- Ai... Ufa... Então estamos na sua casa e jantamos juntos.
- É.
- Com vinho.
- Dos caros.
- E dormimos juntos?
- Bem juntos.
- Uau... - ela sussurrou, eu ri. - E fizemos sexo?
- Senão, não teríamos dormido juntos, eu acho. - eu disse rindo ainda mais.
- Uau! - "Por que 'uau'?"
- Moça, com um 'uau' eu posso pensar que você não fez de propósito. Com dois, eu posso pensar que você gostou.
- Ah, mas eu gostei! E não só gostei como... - ela olhou por trás de mim e viu o controle do jogo no chão. - Ai, meu Deus!
- O quê? Que foi?
- Dormi com um professor que joga video game!
- Ehr... É... - eu respondi sem saber o que pensar.
- Que mais? - rapidamente ela foi até a sala e viu a mesa posta. - Ah, eu não acredito nisso! Dormir com um professor que joga video game e come sucrilhos no café da manhã!
Eu não consegui não rir.
- Vou fazer de conta que isso é bom, está bem?
- Bom? Teria sido mesmo um desperdício te matar, seu menino.
- Ah, é? Por quê?
- Por falar nisso... Cadê a minha pistola?
- Ahá! Eu sabia que você ia mudar de ideia!
- Dã! Se ontem era o último dia para te matar, está meio tarde pra mudar de ideia, você não acha?
- Bom... Você tem razão. Está na máquina de lavar louça.
- Hein?! - ela me olhou com a cara mais torta do mundo. - Bom... Antes de mais nada... - ela segurou o meu rosto com as duas mãos e deu-me um beijo profundo e demorado. - Foi muito feio não te dar bom dia direito.
- Não se preocupe. - eu disse sorrindo e dei-lhe um abraço e outro beijo.
- Agora... Onde está aquela bela pistola semiautomática? - ela perguntou sorrindo e fazendo charme.
- Dentro da máquina de lavar louça.
- Ah, Dé! Eu desisto. Pode ficar com ela.
- Ótimo! Adorei o presente. Vamos comer?
- Vamos. Estou morta de fome.
- Imagino. O que vamos fazer hoje?
- Eu estava pensando em ir ao salão dar um trato no cabelo, fazer as unhas, sobrancelhas, depois ir ao shopping comprar umas bolsas, sapatos - parei com a colher de sucrilhos a caminho da boca e arregalei os olhos - , blusas, vestidos e um estojo novo de maquiagem.
- Uau... - levei uns cinco segundos para responder.
- Mas ficar por aqui e tocar violão, jogar video game e tomar sol na cobertura do prédio me parece muito mais relaxante e divertido. - os dos rimos alto.
Tomamos o nosso café da manhã, lavei a louça e fomos para o meu quarto. Enquanto isso conversamos um pouco sobre coisas importantes como o tempo que faria no dia, a qualidade da água da piscina na cobertura do prédio, a existência de uma sauna perto da piscina e a possibilidade de ela me vencer em um jogo de luta no video game - no qual eu nunca fui bom. Fomos ao meu quarto e...
- Ponha um biquíni. Vai ser ótimo tomar um sol na piscina, aproveitando que o sol está alto.
- Mas eu não trouxe biquíni. Eu vim ontem pra te apagar, lembra?
- Ora! Que tipo de assassina de aluguel anda sem biquíni na bolsa?
- Que tal "o tipo que leva o serviço a sério"? - ela parou de repente, olhamos um nos olhos do outro e rimos da piada.
- Certo... Quer dar uma saída pra comprar um?
- Acho que eu sobrevivo sem tomar banho de piscina.
- Tudo bem, então. Conta uma coisa... Por que mesmo você disse que teria sido um desperdício me matar?
- Hmmm... Porque não é em todo lugar que se encontra um professor que anda de carro esporte, não bebe, joga video game e come sucrilhos no café da manhã.
- Nossa! E isso são qualidades?
- Fora que você é o cara mais bonito que já me mandaram matar.
- Nossa! Isso me fez sentir bem, sabia? - eu ri da piada dela. Ela também riu, aproximou-se, encostou o nariz no meu e disse:
- Mas eu te acho bonito, sim. Eu disse isso anteontem. - e me deu um beijo.
Subimos para a cobertura do prédio e passamos um bom tempoconversando embaixo do sol. Como se não bastasse fritarmos no sol, resolvemos assar na sauna. As horas que passamos na cobertura do prédio foram bastante divertidas para os dois. Já passando das duas da tarde, resolvemos voltar para o apartamento e almoçar. A tarde também foi tranquila, regada a jogos de video game, um filme e violão, conforme ela sugeriu. Foi uma ótima ideia passar o dia em casa. Em parte porque foi mesmo divertido um programa a dois sem precisar sair para nada e em parte porque dentro da minha casa ela estava a salvo.
Caiu a noite e fomos parar na varanda de novo. Curioso que o assunto no qual não tocamos o dia todo veio aparecer só quando fomos para a varanda. Ela disse:
- Acho que eu preciso ver algumas coisas logo.
- Que coisas?
- Uma possível documentação falsa, passagem pra outra cidade...
- E por quê?
- Dé, não dá pra ficar aqui com esse cara na minha cola.
- Eu já disse: ele não vai ficar na sua cola. Amanhã ele não estará mais. Você não vai precisar ir embora.
- Mas também não posso ficar aqui.
- "Aqui" na cidade ou "aqui" na minha casa?
- Na sua casa.
- Você não precisa ficar, se não quiser. Aliás, acho até meio precipitado já ficar por aqui assim tão rápido.
- Eu também.
- Mas eu não ia achar a ideia lá muito ruim. - falei com um sorriso zombeteiro.
- Seu bobo!
- Falando sério... Você não precisa ir embora. Não estou dizendo que tenha que ficar aqui comigo, mas não precisa sair da cidade. Eu detestaria não poder te ver de novo.
- Como assim?
Hesitei. "E agora? Que é que eu digo?"
- Eu gosto de você, Bela. É só isso.
- Como assim?! Eu quase te matei três vezes!
- Eu fui pra cama com você, não fui? Eu não teria feito isso, se não gostasse de você, no mínimo.
- Você não foi pra cama comigo, você foi atirado e amarrado a ela.
- Você acha que eu teria deixado, se eu não quisesse?
- Você tinha bebido, André!
- E você realmente acha que eu teria bebido, se não estivesse me sentindo seguro?
- Eu...
- Eu sei o que me acontece quando eu bebo. A última vez tinha sido dez anos atrás, mas eu sei que eu não aguento. Eu só me sujeitei àquilo porque eu sabia que estava seguro com você. Eu quis me submeter a você.
- ...
- Você me jogou na cama e me amarrou, sim. Mas só porque eu sabia que estava a salvo com você.
- Mesmo eu tendo tentado te matar três vezes antes?
- Mesmo assim.
- Como?! Como você podia ter certeza de que estava a salvo?! - os olhos dela lacrimejaram.
- Se você fosse mesmo me matar, teria feito isso na quarta-feira, quando eu apareci pra pegar o meu carro e ir fazer compras. - delicadamente peguei o rosto dela com uma das mãos e virei-o para mim. - Quando você entrou no meu carro eu já sabia que você não ia me matar. Fiquei com medo, eu confesso, mas aqui dentro eu já falava que não ia acontecer nada.
Não chorou muito. Quase nada, na verdade, mas levou um tempo para se recompor.
- Você... Aiai... Detestaria que eu fosse embora, é?
- É.
- Mesmo a gente se conhecendo tão pouco?
- Mesmo assim.
- Tá... - ela enxugou as lágrimas. - E como você pretende fazer amanhã pra pegar o cara?
- Como assim "ele" e "o cara"? Você não sabe o nome dele?
- Não. Ele nunca se identificou pra mim. Aliás, duvido que ele já tenha se identificado pra alguém.
- Que beleza. Nem nome ele tem.
- Pois é. Eu também acho que as pessoas deveriam ter um nome, mas...
- Bom... Vai ser bem simples. Eu vou entrar lá e eu acho bom ele rezar.
- Você vai mesmo matá-lo?
- Não sei. Mas ele não podia ter matado o meu amigo, não podia ter matado quem ele já deve ter matado, não devia ter metido você nisso e não pode continuar dando trabalho pra polícia, que já não faz nada.
- Como assim "não faz nada"?
- Ora! Não faz! Se até eu sei onde o cara mora e que ele trafica armas, a polícia deve saber melhor que eu. E não fez nada. Ele está lá, bem sossegado no canto dele.
- É verdade.
- Mas de amanhã ele não passa. Depois disso você vai poder voltar pra sua casa sossegada, vamos poder sair sossegados e ainda vai haver mais um apartamento vago nessa quadra pra quem quiser morar.
- E aquela coisa toda que você me falou sobre estragar a minha carreira pra matar alguém?
- Bom... Não faz sentido pra mim; eu não sou modelo. - ela riu com a piadinha e mudamos des assunto.
- E agora? O que a gente faz?
- Que tal outro vinho?
- Você tem outro daquele?
- Até tenho, mas aquela garrafa ainda não acabou, não é?
- Não. Não acabou ainda. Você me ajuda a dar cabo dela?
- Com certeza.
- Depois eu acho que a gente pode dormir. Amanhã vai ser um dia especial pra alguém.
- Com certeza. Mas dormir depois do jantar e do vinho. E não imediatamente depois, se não se importa.
- O que você tem em mente, seu menino? - ela me olhou docemente.
Outra noite longa? Por que não?