domingo, 7 de dezembro de 2008

Gê, Eneú e a Zica (por Isabela Pinheiro)

- Achei que você fosse demorar bem mais pra chegar.
- Não... Demorar mais do que eu já demorei seria muita perda de tempo. Faz muito tempo desde que eu saí de lá.
- Onde é mesmo que você estava?
- Ah, é verdade. Não te contei. Na casa do Eneú.
- Você demorou muito lá. O que foi?
- Pois é. Até agora eu não sei explicar direito. Não sei nem por onde começar. Na verdade, não sei nem se devo.
- Por quê? Você não gostou de ter ficado por lá?
- Eu não sei, pra ser sincera, Zica.
- Eu, heim, Gê... Como não sabe se gostou?
- Sei lá... Às vezes eu acho que passei tempo demais na casa dele. Acho até que esqueci um monte de coisa lá.
- Esqueceu ou deixou de propósito? Você não está com muita cara de quem quis trazer o que levou.
- Eu também não sei. Ainda estou meio perdida. Ele quis me dar umas coisas pra eu trazer, mas também não trouxe.
- Por quê, Gê? Ficou doida?
- Não, sei, Zica! Não sei, não sei, não sei de coisa nenhuma.
- Mas você vai voltar lá pra buscar pelo menos as coisas que ele quis te dar, né? O que era, por falar nisso?
- Ah... Uma almofada.
- Mas não eram "as coisas"?
- É verdade. Mas é uma almofadona em forma de coração com um monte de coisas escritas.
- Tipo o quê?
- Umas palavras soltas. Tipo carinho, respeito, amizade, confiança...
- Coisas que, a essa altura não fa-
- Não fazem sentido nenhum pra mim.
- Tem certeza?
- Ai, Zica! Você fica me dificultando! Já tou meio desnorteada depois de sair de lá e você fica me falando essas coisas! Parece que é de propósito. Eu só sei que...
- Sabe...?
- Nada.
- Fala, Gê.
- Nada, não.
- Fala. Você vai acabar entregando cedo ou tarde. Fala logo.
- Não sei... Eu tenho a estranha sensação de que eu vou ser sempre bem-vinda pro Eneú.
- Pra quem saiu de lá do jeito que você saiu, essa sensação é bem... diferente, né?
- Fazer o quê? Ele passa isso! Eu não sei como, pra ser sincera. Mas eu tenho essa forte impressão de que eu vou sempre ser bem-vinda pra ele.
- Pera um pouco... Deixa eu atender o telefone aqui. Alô?
- Zica?
- Sou eu.
- É o Eneú, tudo bem?
- Oi, moço. Tudo bem, e você?
- É... Mais ou menos. Deixa eu perguntar uma coisa. Você vai encontrar a Gê por esses dias?
- V... Vou... Por quê?
- Pode passar um recado pra ela, por favor?
- Posso, Eneú. O que quer que eu diga?
- É que ela foi embora daqui meio de repente. Eu ia dar uma almofada pra ela, mas nem deu tempo de entregar.
- Hum.
- Diz pra ela, por favor, que, quando ela quiser ela pode pegar. Se ela quiser, eu posso levar pra ela também.
- Tá bom. Pode deixar.
- Brigadão, viu?
- De nada, moço.
- Beijo.
- Beijo. Tchau.
- Tchau.
- Quem era, Zica?
- Era ele.
- O Eneú?
- Ele mesmo.
- O que ele disse?
- Que quando você quiser a almofada, ele te dá e, se você quiser, ele leva ela pra você.
- ...
- Que foi?

Isabela Pinheiro

2 comentários:

disse...

Ter a estranha sensação de deixar algo pra trás é como se perder no meio de uma multidão: a gente não tem certeza se vai achar o que perdeu, mesmo que ache novamente mais tarde. Afinal, o tempo muda tudo não é mesmo?

Dé!
(Isabela Pinheiro é outro codinome?)

:P

beijos!

disse...

“Um bom poema não é aquele que você lê. É aquele que lê você.”

Mário Quintana!

o Rei!
:D